RESUMO DE VOZES D'ÁFRICA


Vozes d'África, de Castro Alves


Castro Alves foi um jovem entusiasmado pelas grandes causas da liberdade e da justiça. A campanha contra a escravatura lhe inspirouVozes d'África (1868) .

Ele, como ninguém, impingiu os acentos da poesia ao exprimir a dor de todo um continente em Vozes d'África, poema de estilo épico, que pertence ao livro Escravos. O autor, divergindo do indianismo, passou à História como o poeta dos escravos, ao criar poemas abolicionistas como este.

Vozes d'África, o último dos mais importantes poemas que o poeta escreveu em São Paulo, para os escravos, é uma alegoria do pungente destino da raça africana, vista não já através de um navio negreiro, mas em seu próprio e vastíssimo habitat. É uma doce prosopopéia em que a África narra suas desgraças e impetra a misericórdia divina, portanto, o eu-lírico, neste poema, é a África, que se queixa a Deus pela desventura de ver seus filhos arrebatados do solo pátrio para serem escravizados, e lançados ao desamparo. É soberba apóstrofe do continente escravizado, a implorar justiça de Deus. O que indignava o poeta era ver que o Novo Mundo, "talhado para as grandezas, pra crescer, criar, subir", a América, que conquistara a liberdade com formidável heroísmo, se manchava no mesmo crime da Europa.

VOZES D'ÁFRICA

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? 
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes 
Embuçado nos céus? 
Há dois mil anos te mandei meu grito, 
Que embalde desde então corre o infinito... 
Onde estás, Senhor Deus?... 

Qual Prometeu tu me amarraste um dia 
Do deserto na rubra penedia 
— Infinito: galé!... 
Por abutre — me deste o sol candente, 
E a terra de Suez — foi a corrente 
Que me ligaste ao pé... 

O cavalo estafado do Beduíno 
Sob a vergasta tomba ressupino 
E morre no areal. 
Minha garupa sangra, a dor poreja, 
Quando o chicote do simoun dardeja 
O teu braço eternal. 

Minhas irmãs são belas, são ditosas... 
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas 
Dos haréns do Sultão. 
Ou no dorso dos brancos elefantes 
Embala-se coberta de brilhantes 
Nas plagas do Hindustão. 

Por tenda tem os cimos do Himalaia... 
Ganges amoroso beija a praia 
Coberta de corais ... 
A brisa de Misora o céu inflama; 
E ela dorme nos templos do Deus Brama, 
— Pagodes colossais... 

A Europa é sempre Europa, a gloriosa!... 
A mulher deslumbrante e caprichosa, 
Rainha e cortesã. 
Artista — corta o mármor de Carrara; 
Poetisa — tange os hinos de Ferrara, 
No glorioso afã!... 

Sempre a láurea lhe cabe no litígio... 
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio 
Enflora-lhe a cerviz. 
Universo após ela — doudo amante 
Segue cativo o passo delirante 
Da grande meretriz. 
.................................... 

Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada 
Em meio das areias esgarrada, 
Perdida marcho em vão! 
Se choro... bebe o pranto a areia ardente; 
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! 
Não descubras no chão... 

E nem tenho uma sombra de floresta... 
Para cobrir-me nem um templo resta 
No solo abrasador... 
Quando subo às Pirâmides do Egito 
Embalde aos quatro céus chorando grito: 
"Abriga-me, Senhor!..." 

Como o profeta em cinza a fronte envolve, 
Velo a cabeça no areal que volve 
O siroco feroz... 
Quando eu passo no Saara amortalhada... 
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada 
No seu branco albornoz... " 

Nem vêem que o deserto é meu sudário, 
Que o silêncio campeia solitário 
Por sobre o peito meu. 
Lá no solo onde o cardo apenas medra 
Boceja a Esfinge colossal de pedra 
Fitando o morno céu. 

De Tebas nas colunas derrocadas 
As cegonhas espiam debruçadas 
O horizonte sem fim ... 
Onde branqueia a caravana errante, 
E o camelo monótono, arquejante 
Que desce de Efraim 
....................................... 

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! 
É, pois, teu peito eterno, inexaurível 
De vingança e rancor?... 
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime 
Eu cometi jamais que assim me oprime 
Teu gládio vingador?! 
........................................ 

Foi depois do dilúvio... um viadante, 
Negro, sombrio, pálido, arquejante, 
Descia do Arará... 
E eu disse ao peregrino fulminado: 
"Cam! ... serás meu esposo bem-amado... 
— Serei tua Eloá. . . " 

Desde este dia o vento da desgraça 
Por meus cabelos ululando passa 
O anátema cruel. 
As tribos erram do areal nas vagas, 
E o nômade faminto corta as plagas 
No rápido corcel. 

Vi a ciência desertar do Egito... 
Vi meu povo seguir — Judeu maldito — 
Trilho de perdição. 
Depois vi minha prole desgraçada 
Pelas garras d'Europa — arrebatada — 
Amestrado falcão! ... 

Cristo! embalde morreste sobre um monte 
Teu sangue não lavou de minha fronte 
A mancha original. 
Ainda hoje são, por fado adverso, 
Meus filhos — alimária do universo, 
Eu — pasto universal... 

Hoje em meu sangue a América se nutre 
Condor que transformara-se em abutre, 
Ave da escravidão, 
Ela juntou-se às mais... irmã traidora 
Qual de José os vis irmãos outrora 
Venderam seu irmão. 

Basta, Senhor! De teu potente braço 
Role através dos astros e do espaço 
Perdão p'ra os crimes meus! 
Há dois mil anos eu soluço um grito... 
escuta o brado meu lá no infinito, 
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!... 

São Paulo, 11 de junho de 1868



ANÁLISE DO POEMA VOZES D'AFRICA 

Vozes d'África (século XIX) é um poema condoreiro (que trata de temas sociais e humanitários) de Castro Alves, poeta romântico brasileiro defensor da abolição. Esse poema é mais uma de tantas em que o autor luta pelos direitos universais de liberdade para todos os homens, através da denúncioa da escravidão negra no Brasil e da desigualdade entre África e os demais continentes.
Há no poema uma personificação, o continente africano ganha características humanas para dar mais emoção ao texto. A África está falando para Deus sobre sua realidade e se compara às irmãs (“Minhas irmãs são belas, são ditosas/Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas”).
Há presença de metáforas (“Eu – pasto universal”) e comparações (“Como o profeta em cinza a fronte envolve”). O autor é maniqueísta, tenta conduzir o leitor ao seu modo de pensar, fazendo com que ele tome uma postura anti-escravidão. Algumas palavras africanas (“galé”) são utilizadas para enriquecer o texto (estrangeirismos), afinal, o eu lírico é a própria África.
As funções de linguagem predominantes são a poética (trabalha a seleção de palavras, sons e idéias) e a conativa (onde a intenção maior é influenciar no modo de pensar do autor).
As estrofes têm seis versos (sextilhas). O poema segue a regra: dois versos decassílabos e um verso hexassílabo, até o fim. Há rimas (AABCCB). Para dar sonoridade ao poema, são empregadas exclamações, interrogações e vocativos, que indicam exaltação (“Deus!Ó Deus! Onde estás que não respondes?”). As reticências dão um tom de melancolia (“Há dois mil anos eu soluço um grito...”).
Castro Alves escreveu um belo poema, regado de recursos sonoros e musicais, mas não foi por isso que ela sobreviveu até hoje. Isso ocorreu, pois, além de relevar a triste face da escravidão negra no passado do Brasil, ela nos apresenta a África como um continente que sempre sofreu graças à exploração dos outros povos. É impossível não se emocionar ao ler Vozes d'África e se lembrar da miséria que assola o continente.

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